top of page

Pontos de fuga


Há quase dois anos, estamos em estado de entremeio, intervalo de tempo e espaço entre dois extremos, o “antes” e o “após” pandemia de Covid19. Como vivemos essa distância?


Na introdução de Vitamin D3, today ́s best in contemporary drawing – terceiro volume de compêndios dedicados ao desenho –, Anna Lovatt – professora de história da arte na Southern Methodist University, em Dallas, EUA – observa que pessoas de diferentes características, interesses e áreas de atuação, enfermeiras, jornalistas e professores voltaram a desenhar durante esse período. Essas pessoas optaram pela prática do desenho como um meio acessível para expressar frustração, medo, solidão ou angústia. “As pessoas desenham para passar o tempo ou para acalmar a mente, aproveitando as propriedades terapêuticas do desenho, há muito reconhecidas no campo da psicologia” (LOVATT, 2021, p. 10). Devido à limitação de acesso a materiais e espaços de circulação, muitos artistas retomaram o interesse pelo desenho, que lhes possibilitou continuar produzindo e se expressando com poucos recursos. Seus trabalhos tomaram as redes sociais da internet, as janelas e as varandas dos apartamentos, como pontos de fuga a indicar possibilidades, construindo espaços de alívio e solidariedade.


Esse breve momento, no início da pandemia de Covid-19, em que a arte mostrou-se fundamental, parecia o prenúncio de tempos mais simples, de reflexão e autoconhecimento, de cuidado e respeito consigo mesmo, com os semelhantes e com a natureza, de um tempo necessário para a cura. Agora, entrando no terceiro ano de crise sanitária mundial, vivemos em outro cenário, menos ingênuo e esperançoso. Principalmente, no Brasil, onde a sociedade é cooptada a aceitar relações de poder baseadas numa necropolítica (MBEMBE, 2008) que, entre suas estratégias de dominação, propaga um olhar de suspeita a toda ação criadora que se propõe a pensar por outros vieses, que corroboram atitudes de resistência e sobrevivência cultural indispensável.


Partindo da premissa de que a arte é lugar de conhecimento a partir do qual elaboramos nossas vivências e lançamos propostas para o porvir, perguntamos: como artistas, por meio do desenho, podem tratar das questões pertinentes ao contexto atual, das relações entre os corpos e os espaços físicos, subjetivos, políticos e sociais? Queremos mesmo desenhar um mundo diferente, em que as relações humanas sejam mais solidárias? Ou estamos satisfeitos com o “novo normal”, mais estafante, mais desigual e mais competitivo? Em que espaços e tempos viveremos após o entremeio da pandemia? Haverá um “pós pandemia”? Que pontos de fuga podemos traçar? Haverá fuga?

REFERÊNCIAS
LOVATT, Anna. Vitamin D3, today ́s best in contemporary drawing. Londres: Phaidon, 2021.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. 3. ed. São Paulo: N-1 edições, 2018.

Newart.city
Foto_Zé de Rocha_low.jpg

Nome artístico: Zé de Rocha. Artista Visual formado pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (2008), onde também cursou Mestrado (2013) e Doutorado (2020), com orientação da artista e professora Sonia Rangel. Iniciou sua carreira artística em 1997, participando dos Salões Regionais de Artes Plásticas e de outros editais promovidos pela Fundação Cultural do Estado da Bahia. Em 2008, ganhou o Grande Prêmio da IX edição da Bienal do Recôncavo, promovida pelo Centro Cultural Dannemann, sendo contemplado com uma estadia em Milão, Itália, a convite do professor e crítico de arte Antonio d?Avossa, da Accademia di Belle Arti di Brera. Em 2013, iniciou carreira como professor lecionando na Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) e na Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA). É membro dos Grupos de Pesquisa: GIPE CIT (Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade), MAMETO (MAtéria, MEmória e conceiTO em poéticas visuais contemporâneas) e AVEC (Grupo de Pesquisa Artes Visuais e Criatividade) Atualmente, divide-se entre o ensino e a realização de exposições individuais e participações em salões e mostras coletivas. Portfólio: https://zederocha.com/ 

bottom of page